Desafios da comunidade LGBT no ambiente coorporativo

Ao longo dos anos, a população LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, Não-binárias e mais), tem somado algumas conquistas, no entanto, ainda há desafios diários a serem vencidos no que diz respeito a uma vida mais justa, igualitária e sem preconceitos.

O Brasil traz números cada vez mais preocupantes com relação à taxa de desemprego, e com o público LGBTQIAPN+ os desafios são ainda maiores, já que o preconceito, exclusão e a violação de seus direitos são ainda mais aguçadas.

Ainda há desafios diários a serem vencidos no que diz respeito a uma vida mais justa, igualitária e sem preconceitos.

Em pesquisa realizada em 2021 pela empresa Santo Caos, foi constato que 61% dos funcionários LGBTQIAPN+ do Brasil escolhem esconder de colegas e gestores a sua orientação sexual por receio de represálias e possíveis demissões. Para constatar alguns desses fatos, conversamos com três mulheres de distintas orientações sexuais, confira:

Solidariedade:

Já enfrentou dificuldades para ingressar no mercado de trabalho em razão de sua orientação sexual? Em caso afirmativo, como isso aconteceu?

  • Andrea da Mata, 46, mulher cis lésbica, empreendedora, consultora do setor cervejeiro, vereadora suplente em Porto Alegre (RS), secretária municipal da Igualdade Social e graduanda em Gestão Pública: “Comecei a trabalhar aos 13 anos de idade. Já fui recepcionista, balconista, caixa, supridora, já trabalhei na área de vendas, fui atendente, garçonete, chapista, barista, bartender. Já gerenciei cafeteria, risoteria, empório, brewery e Pub, e sim, já sofri muitas dificuldades. Sofri por ser mulher em áreas que, de costume, só homens ocupam, e isso aconteceu principalmente quando trabalhei na área de eventos. Eu era praticamente a única mulher e ganhava menos do que os homens da mesma posição. Quando questionei a razão de meu salário ser menor, mesmo eu trabalhando, por vezes, até mais que eles, a resposta que me foi dada, ironicamente, foi por eu ser mulher, ou seja, eu tinha que aceitar e ainda agradecer por estar naquele lugar, sendo praticamente explorada.”
  • Giselle Vaz, 38, lésbica, enfermeira oncologista: “Nunca sofri preconceitos ou represálias em ambientes coorporativos, mas conheço muitas histórias tristes de pessoas que são agredidas física e emocionalmente, em razão de sua orientação sexual.”
  • Xenia dos Santos Portilho, 57, transex, dirigente espiritual: “Como trabalho com espiritualidade, somos muito abertas nessas questões relativas à orientação sexual, então posso dizer que nunca sofri preconceito ou discriminação em meu ambiente profissional. ”

Solidariedade:

Acredita que há preconceito/ repressão, principalmente para que os LGBTQIAPN+ ocupem cargos de chefia dentro das corporações? Já foi impedida de avançar neste sentido?

  • Andrea: “Sim, existe preconceito! Lidamos com um machismo estrutural que, infelizmente, impede que algumas pessoas (tanto na questão de gênero quanto na questão de orientação sexual), sejam privilegiadas para determinados cargos. O lugar no qual eu realmente sofri violência de gênero e de orientação sexual foi quando gerenciei o brewery e pub. Fui para uma seleção com vários homens, fui escolhida, e iniciei no atendimento, lá eu trabalhava com mais cinco homens, e por uma razão ou outra, todos acabaram saindo. Acabei ficando sozinha e, em três meses, fui convidada a assumir a gerência de uma das casas da rede. Eram quatro proprietários e eu consegui colocar as coisas em ordem. Apesar disso, um dos proprietários, machista e preconceituoso, disse que não tinha cabimento uma mulher ser gerente, já que os proprietários eram homens. Ele chamou um outro gerente, sem perfil, e essa pessoa fez tudo o que podia para me tirar da empresa, me humilhou, chegou a verbalizar que, por ele, eu não estaria mais ali, que só dois dos proprietários queriam que eu estivesse naquela posição. Para completar, me disse que tinha consciência que eu sabia mais do que ele, mas que a oportunidade era dele, unicamente por ser homem, e eu era apenas mulher e lésbica, e não era esse perfil que os “chefes” queriam. Persisti e fui para outra casa da rede. Ironicamente, a única casa que se manteve aberta e que acabou “sustentando” os demais proprietários. Por essa troca ter sido causada em função do comportamento do outro gerente, os proprietários acabaram me dando um curso de Sommelier de Cervejas. Aceitei ser silenciada, pois estava querendo começar nessa área. Assim que terminei o curso, saí. Foi um período muito triste e muito pesado, pois trabalhava muitas horas e não era reconhecida pelo meu trabalho. Desistir nunca foi meu lema, me especializei no setor cervejeiro, tenho vários cursos e atualmente sou consultora, ministro treinamentos, sou beer somemeliere reconhecida e respeitada no meio cervejeiro.
  • Giselle: “Minhas experiências profissionais tem sido bastante positiva, graças à Deus não tenho nenhum caso grave ou trágico de discriminação profissional. ”
  • Xenia: “Nunca fui impedida de avançar, mas sei que há preconceito em ambientes coorporativos quando o assunto é o público/ funcionário LGBTQIAPN+. ”

Solidariedade:

Em que momento da vida assumiu sua sexualidade? Como isso aconteceu no ambiente corporativo? Teve apoio da sociedade como um todo?

  • Andrea: “Aos 28 anos eu assumi minha orientação sexual. Sempre me senti diferente, desde a infância. Eu gostava dos brinquedos e brincadeiras dos guris e sentia algo diferente pelas gurias e professoras, mas não entendia, pois eu não queria ser guri, não queria ser como eles. Só entendi a violência verbal em relação aos meus direitos pela qual passei toda a minha vida quando fui chamada para tomar posse como vereadora, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, durante a semana do Orgulho Gay. Foi um dos momentos mais importantes e difíceis, pois eu nunca havia parado para refletir sobre minhas angústias, sobre o meu passado. Sempre me condicionei a seguir em frente “isto é para guris-homens; aquilo é para gurias-mulheres”, era o que eu ouvia e internalizava. Somos criadas em uma sociedade machista, preconceituosa, retrógrada. Fui casada por 6 ano e tenho uma filha que é tudo para mim, hoje ela já é adulta, tem 24 anos. No momento que resolvi me separar e assumi um relacionamento homoafetivo foi um caos, meus pais me ofenderam, me ameaçaram, mas no momento tentei ser compreensiva, levei para o lado de que ninguém quer ver a pessoa que ama ser discriminada pela sociedade. Só com o tempo eles compreenderam de fato quem eu sou. Hoje tenho uma vida tranquila com minha família. Tive muito apoio da minha vó Noema, da minha tia Olinda e dos meus irmãos e primos sempre tive respeito. Eu não tinha convívio com pessoas gays, tive algumas experiências na adolescência, muitos amores platônicos. Negava tudo, pois para mim, na época, era impossível ser quem sou hoje. Infelizmente estamos em pleno século 21 e pessoas morrem por questões de gênero, orientação sexual, religião, etnias, classe social. Mulheres lésbicas simplesmente são apagadas da sociedade, são invisíveis. Não respeitam a diversidade dos nossos corpos na área da saúde. Sofremos sexismo, machismo, lesbofobia, nossos direitos são violados. Sonho com o dia no qual teremos respeito a todes os seres, independente de sexo. ”
  • Giselle: “Meu processo interno de aceitação da minha sexualidade foi algo lento e difícil, especialmente pelos fortes valores cristãos católicos. Quando eu me entendi e me aceitei, o processo de assumir para a sociedade foi ocorrendo gradualmente. Primeiro no ambiente familiar, e aos poucos com os amigos mais próximos e posteriormente com os colegas de trabalho. Na época eu já era servidora pública e nunca me senti na obrigação de ter que falar da minha sexualidade para as pessoas. Acredito que isso deve ocorrer naturalmente, à medida que as pessoas vão se aproximando de você. Ninguém chega no ambiente de trabalho, ou numa entrevista de emprego e diz: “Olá, eu sou fulano, hétero”, então por que eu teria a obrigação de falar? Minha sexualidade é apenas uma das minhas características e isso não influencia na minha competência técnica. ”
  • Xenia: “Aos 15 anos eu me assumi, mas desde os 6, eu já sabia que eu era diferente. Me fechei até os 13 anos. Tive apoio de minha família, e isso foi extremamente importante, pois ganhei ainda mais forças e sustento em minha base. ”

Solidariedade:

No ambiente corporativo, já foi desrespeitada ou sofreu assédio moral? Como?

  • Andrea: “Sempre fui mais na minha, como sou uma mulher cis, não sofro tanto preconceito, mas já ouvi piadinhas, comentários jocosos, ofensas em um ‘grau menor’, do tipo: qual a passiva e qual a ativa da relação? ”
  • Giselle: “Não diretamente no ambiente de trabalho, pois sou muito respeitada como pessoa e profissional, mas, pelo fato de ser lésbica, já passei por duas situações desagradáveis. A primeira foi quando fiz união estável. O RH do meu estado não queria me dar a licença casamento, justificando não ter valor legal. Recorri e consegui meus dias. A segunda situação foi que não permitiram que minha esposa me incluísse no plano de saúde dela. Exigiram que apresentássemos um comprovante de 5 anos de união, mesmo a gente mostrando a documentação de união estável. Com o papel de união estável, um casal hétero consegue no dia seguinte tramitar qualquer documentação legal, inclusive ser incluído no plano de saúde de seu cônjuge, independentemente do tempo de união, então isso para mim, foi algo bem desagradável. ”
  • Xenia: Não, nunca sofri assédio moral ou fui desrespeitada.

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Solidariedade:

O que deveria ser feito pelas empresas para acolher e garantir os direitos do funcionário LGBTQIAPN+?

  • Andrea: “Tenho um projeto que se chama ‘Selo para todes’. É um projeto que fala sobre conexões. A proposta é identificar os locais que apoiam o público LGBTQIAPN+, os que são dirigidos por LGBTQIAPN+ e os que se disponibilizam à profissionalização e proporcionam oportunidades de trabalho para esse público. Precisamos de respeito, dignidade e oportunidades. As empresas precisam estar qualificadas para receberem a diversidade, orientando através de diálogo, cursos e oportunidades para todes. Com o Selo, certificaremos os locais, daremos treinamentos e qualificação para receber a diversidade LGBTQIAPN+. Com isso, acredito que diminuiremos, e muito, o preconceito no mercado de trabalho.
  • Giselle: “Mais do que pelas empresas, precisamos de políticas públicas que garantam os nossos direitos civis, independentemente dos valores religiosos e também dos direitos dos nossos filhos, como ter o registro de duas mães ou dois pais, na certidão de nascimento, CPF, RG. ”
  • Xenia: “É preciso que se abram mais portas para receber e (re)colocar pessoas trans e dos mais variados gêneros. Aumentar o número de cursos e vagas profissionais destinadas a elas, e principalmente, ter o acolhimento da sociedade, livre de preconceitos ou distinções, afinal, somos todos iguais. O que conta é o caráter de cada um e não a orientação sexual. ”

Em pesquisa realizada em 2021 pelo Center for Talent Innovation, constatou-se que: 33% das empresas do Brasil não contratariam para cargos de chefia pessoas LGBTQIAPN+; 41% das pessoas LGBTQIAPN+ afirmam terem sofrido algum tipo de discriminação em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho e 90% dos travestis se prostituem por não terem conseguido nenhum outro emprego, até mesmo aqueles que têm boas qualificações.

O Solidariedade repudia todo e qualquer ato de preconceito ou discriminação, seja por orientação sexual, etnia, credo ou gênero, e luta por políticas públicas de inclusão e bem-estar social.

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